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quarta-feira, 16 de março de 2011

A LÍNGUA DOS CRENTES

ESSE ARTIGO NÃO FOI CRIADO POR MIM É DA REVISTA ECLÉSIA ACHEI MUITO INTERESSANTE E DEIXO PARA VOCÊS LEREM TAMBÉM, MUITO BOM!!!DEUS ABENÇOE!!!
Expressões e gírias típicas formam o evangeliquês, o idioma corrente nas igrejas

Varão, o culto foi um fluir de Deus. Estava todo mundo no óleo. Só tinha vaso de bênçãos!” Se você é um leitor minimamente acostumado com o dia-a-dia das igrejas evangélicas, certamente já ouviu conversas deste tipo. Trata-se do evangeliquês, conjunto de jargões usados por crentes que, na falta de termos para descrever suas experiências espirituais, preferem cunhar as próprias expressões. É quase como um dialeto, ininteligível para quem é do mundo – perdão, para aqueles que não seguem a Jesus, também chamados de ímpios. Ou mesmo filisteus, epíteto pouco conhecido que se tornou, para muitos crentes, sinônimo de gente distante de Deus. Ah, sim – filisteus, no Antigo Testamento, eram um povo inimigo de Israel, sabia?
O glossário evangélico é mais rico no segmento pentecostal, onde a espontaneidade dos cultos e a maior abertura para manifestações sobrenaturais criam toda sorte de situações inusitadas. “Levita”, por exemplo, não é conjugação do verbo levitar. Trata-se do crente que exerce alguma atividade ligada à música congregacional, seja cantando ou tocando instrumentos. E “entrar na carne”, expressão usada para classificar o crente pouco zeloso de sua santidade? Um ouvinte menos avisado poderia pensar que se trata de almoçar numa churrascaria. Bem mais hermético é o tal “mover de Deus”, que se tornou popularíssimo nas igrejas nos últimos anos. Ele não significa, evidentemente, que o Todo-Poderoso esteja dando uma voltinha por aí, e, sim, que o Senhor está agindo de maneira mais efetiva e marcante no meio do seu povo.
Criativas e meio esquisitas, as gírias evangélicas surgem para descrever situações vividas, quase sempre, nos cultos. Brados, interjeições e onomatopéias curiosíssimas são passadas de boca em boca, mesmo com bases teológicas e hermenêuticas eventualmente questionáveis. Até quem é mestre na língua portuguesa acaba franzindo a testa diante do evangeliquês. “Olha, não entendi absolutamente nada”, admite o respeitado professor Pasquale Cipro Neto, apresentador de TV e rádio e colunista do jornal Folha de São Paulo. Pasquale tornou-se nacionalmente conhecido por tirar dúvidas e citar curiosidades sobre o vernáculo tupiniquim. Mas, diante de algumas gírias evangélicas que lhe foram passadas pela reportagem, ficou na mesma: “Sem conhecer o significado de alguns termos, não dá”, resigna-se, bem humorado. A palavra “jargão” surgiu entre os séculos 12 e 13, e era empregada para descrever o gorjeio dos pássaros, cujo significado, evidentemente, ninguém sabia. Mais tarde, virou sinônimo do linguajar dos marginalizados, como pedintes ou ladrões, assemelhando-se ao que hoje chamamos de gírias. No século 19, com o início dos estudos sociolingüísticos, houve a curiosidade de se entender os jargões como um tipo de suplemento ao vernáculo, a língua padrão, geralmente usado por grupos específicos. Entre os lingüistas, há quem considere a gíria como uma doença do idioma, mas, em geral, ela é bem aceita. Afinal, as línguas evoluem por meio dos neologismos, palavras novas que surgem e, depois de algum tempo, acabam se popularizando.
Canela-de-fogo – “Isso não é um privilégio somente dos evangélicos”, explica o professor Pasquale. Segundo ele, é comum que pessoas que formam segmentos sociais ou exercem a mesma profissão tenham um vocabulário próprio. É uma forma de identificação e, em alguns casos, afirmação. O crente que manifesta muitos dons espirituais, por exemplo, costuma ser chamado de “irmão de poder” – o poder, no caso, é o de Deus, que age por intermédio daquele indivíduo. Algumas expressões já se tornaram clássicos do jargão evangélico, como “Tá amarrado” – empregado, geralmente, para repreender uma atitude considerada pouco cristã ou mesmo exorcizar um demônio –, “Misericórdia” (interjeição usada diante de uma situação ruim) ou a famosa “Cajadada”, que nada mais é do que uma pregação mais dura por parte do pastor.
Agora, alguém aí já ouviu falar em “canela-de-fogo”? Essa é nova. Quem tenta explicar o significado é o estudante Leonardo Cardoso, 19 anos, membro da Igreja Batista Shalom, em Curitiba (PR). Ele se apresenta como um fiel canela-de-fogo. “A canela é a parte do corpo que utilizamos para nos deslocar em diversos lugares. Sendo assim, creio que, onde eu passar, o fogo de Deus vai junto”, resume. Convertido há um ano e meio, o rapaz usa e abusa das gírias evangélicas, e ainda encontra uma justificativa, digamos, espiritual: “Talvez, para algumas pessoas, pode ser que esses termos tenham sido edificantes. Isso é o que vale”. Leonardo reconhece que, algumas vezes, não é bem entendido no que fala, mas que seu uso é uma opção de cada um. E ainda é biblicamente correto: “Não podemos julgar ninguém”.
Atento a esse tipo de palavreado, o professor Nataniel dos Santos Gomes, 30 anos, decidiu lançar um olhar mais acadêmico sobre a questão. Mestre em lingüística pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, ele até já organizou uma mesa-redonda sobre o tema no Congresso Nacional de Lingüística e Filologia. “Eu estudo o tema ocasionalmente, mais por curiosidade e por uma necessidade de tentar caracterizar nosso falar”, explica ele, que é evangélico, membro da Comunidade de Jesus e secretário da Aliança Bíblica Universitária no Rio de Janeiro.
Segundo Nataniel, os jargões evangélicos surgiram a partir do uso do texto sagrado da Bíblia, escrita em outra cultura, num outro tempo e por outro povo. “O uso freqüente faz com que acabemos utilizando tais expressões como nossa identidade. São formas vernaculares que boa parte da população desconhece”, explica. Mas para ele, é necessário cuidado no uso recorrente deste tipo de vocábulo. “Parece-me que o abuso no emprego de jargões cria uma barreira entre cristãos e não-cristãos, inclusive, com um vocabulário que identifica aqueles que dominam e os que não dominam o falar ‘espiritual’”. O professor aponta também uma ligação entre a teologia da prosperidade e o uso de alguns tipos de expressões, que segundo ele, são usadas fora do contexto correto. “Elas fazem parte do contexto de Israel no Velho Testamento e acabam brandidas de forma irresponsável, como aquela que diz que os cristãos ‘são cabeça e não cauda’”, critica.

Cultura evangélica – De fato, é das páginas do Antigo Testamento que surgem muitos verbetes do evangeliquês. “Golias”, por exemplo. Segundo a Bíblia, este era o nome de um gigante filisteu que afrontava o povo de Israel. Ele foi morto em combate, de maneira heróica e milagrosa, por Davi. Hoje, quando os crentes falam em “golias”, geralmente estão se referindo a uma situação perigosa ou ameaçadora – portanto, não se assuste se alguém lhe disser: “Estou com um golias na minha vida”. E há algumas expressões que caíram no uso corrente até mesmo fora da igreja. “Rainha de Sabá” tornou-se sinônimo de opulência e ostentação. Tudo por causa do episódio em que a rainha de Sabá, um reino da antigüidade, visitou o rei hebreu Salomão carregada de tesouros. A história está narrada em I Reis 10.
Para Nataniel, os jargões são parte da identidade evangélica, e não usá-los é praticamente impossível para os crentes. “As conversas entre os irmãos, os textos bíblicos e os cânticos evangélicos estão impregnados destes termos”, avalia. Isso sem falar que algumas expressões viraram até grife. “Gospel”, por exemplo, é a palavra inglesa para evangelho, e durante muito tempo designou a música cristã negra americana. Mas, de uns tempos para cá, vem sendo utilizada à larga para caracterizar tudo o que diz respeito aos evangélicos, sobretudo à música. Outra expressão popularíssima, “Deus é fiel”, pode ser encontrada numa infinidade de produtos, como camisetas, canetas, adesivos para carro, agendas e até fraldas de bebê, gerando uma verdadeira indústria. Tanto é que “Gospel” e “Deus é fiel” viraram marcas registradas e licenciadas pela Igreja Renascer em Cristo, uma denominação neopentecostal com sede em São Paulo.
Mas a maioria dos termos do evangeliquês são usados espontaneamente, para definir uma característica pessoal ou um estado de espírito. Quando se fala em “vaso”, por exemplo, o crente pentecostal não se refere àquele recipiente para plantas. Nas igrejas avivadas, “vaso” é a pessoa que costuma, por meio de dons espirituais como a revelação ou profecia, ser usada por Deus. É uma associação com algumas passagens bíblicas que falam em vasos e oleiros, sempre no sentido de plenitude espiritual. E é ao “vaso” que muitos recorrem para pedir oração ou conselhos. Cristiane de Jesus Silva Ferreira, de 31 anos, membro da Assembléia de Deus da Cidade Patriarca, em São Paulo, é apontada em sua igreja como um “vaso” de oração. Ela rejeita o rótulo. “Todos somos vasos da parte de Deus. Ninguém é melhor que seu irmão” desconversa. Mas Cristiane confirma que tem um ministério de intercessão e que, volta e meia, é chamada para orar por alguém.
Para Mário César Moreno Marchini, 44 anos, pastor da Igreja do Evangelho Quadrangular na Penha, em São Paulo, é necessário que o crente use essas palavras com bom senso. “A Bíblia nos orienta a crescer na graça e no conhecimento. Então, não podemos usar certas expressões sem conhecer seu real significado”. Em seus 19 anos como pastor evangélico, ele garante ter passado por várias situações cômicas. “Uma vez, enquanto pregava sobre a necessidade do arrependimento dos pecados, uma irmã gritou bem alto: ‘Queima, Jesus!’. Tive de me segurar para não rir e terminar a pregação”, relembra rindo. Para ele, o emprego do evangeliquês é normal: “É apenas uma forma de os irmãos se expressarem. Já faz parte de nossa cultura”. (Colaborou Carlos Fernandes)

Conheça algumas expressões correntes no meio evangélico: Avivalista: É aquele pregador que incendeia a igreja com suas mensagens de poder
Cajado puro: Quando o pregador é duro no seu discurso contra o pecado ou a acomodação da igreja, diz-se que foi “cajado puro”. Afinal, os pastores usam cajados para guiar e, eventualmente, castigar as ovelhas de seu rebanho.
Do mundo: Diz-se acerca das pessoas que não são crentes. Também designa atitudes, situações ou lugares evitados pelos evangélicos. Boate, por exemplo, é considerado um ambiente “do mundo”
Espinho na carne: É qualquer dificuldade na vida do crente – doença, desemprego, familiar não-convertido etc. A expressão foi empregada pela primeira vez pelo apóstolo Paulo
Fluir: Muito popular ultimamente, o vocábulo abrange uma série de significados. Pode ser o “fluir de Deus”, quando Ele está se manifestando; o “fluir do louvor”, quando as pessoas sentem-se abençoadas pelas músicas, e por aí vai
Fogo: É o símbolo do poder do Espírito Santo. Portanto, o crente que brada: “Derrama fogo, Senhor!” não é um piromaníaco. Está apenas pedindo ao Senhor que mostre seu poder no meio da congregação
Geazi: Personagem do Antigo Testamento, era aprendiz do profeta Eliseu. Por associação de idéias, diz-se daqueles crentes que procuram se inspirar e buscar orientações com irmãos mais experientes e consagrados na fé
Golias: Ver espinho na carne. O termo é inspirado no gigante Golias, que afrontou o nome do Senhor e acabou decapitado por Davi
Gospel: É uma das mais corriqueiras expressões do evangeliquês. Virou quase sinônimo de evangélico; assim, temos música gospel, eventos gospel, indústria gospel, shows gospel etc
Ímpio: É o não-crente, aquele que não segue a Jesus
Inimigo: O diabo. Eufemismo usado para evitar o uso de termos como demônio ou Satanás
Levita: Geralmente, é o indivíduo que se dedica ao louvor congregacional
Maná: É o alimento com que o Senhor sustentou o povo de Israel no deserto, após a fuga do Egito. Muitos evangélicos usam este termo para referir-se a uma coisa boa, agradável Ministério: É a atividade, geralmente voluntária, exercida pelo crente na igreja. Os mais conhecidos são os ministérios de louvor, evangelismo, visitação, do ensino ou da Palavra (pregação)
No Espírito: Diz-se do ato de pautar as atitudes de acordo com a vontade divina. Por exemplo: “Falar no Espírito” quer dizer que a pessoa falou conforme orientação de Deus Na carne: O contrário de “no Espírito”. Significa que a pessoa está sendo motivada por seus próprios interesses
Obra: Na igreja, nada tem a ver com cimento ou areia. É apenas uma forma de se chamar qualquer serviço prestado à causa evangélica
Ô, glória!: É um brado de entusiasmo, empregado em situações de alegria ou êxtase espiritual
Queima, Jesus!: Interjeição típica dos pentecostais. É empregada para repelir qualquer situação considerada pecaminosa ou oposta à vontade de Deus
Repepé: Reunião avivada, onde o poder de Deus se manifesta. Trata-se de uma onomatopéia das línguas estranhas que os pentecostais atribuem a um dom do Espírito Santo
Sair do Egito: Expressão baseada no relato do Êxodo, quando o povo de Israel foi liberto da escravidão naquele país. Portanto, significa deixar para trás alguma provação
Subir o monte: Nada a ver com alpinismo. Trata-se de um jargão que se refere ao ato de buscar a Deus de maneira intensa. É inspirada no Antigo Testamento, onde homens, como Moisés, subiram montes para ficar face a face com Deus. Por vezes, tem significado literal: crentes sobrem montes para orar
Tá amarrado: O famoso bordão é usado para anular as forças das trevas. Também pode ser empregado para esconjurar pessoas ou situações contrárias à vontade de Deus
Tribulação: Período de dificuldades na vida do crente Tomar posse da bênção: Expressão característica da chamada confissão positiva ou teologia da prosperidade. É a atitude do evangélico que, pela fé, age como se já tivesse recebido o esperado benefício divino
Varão: O mesmo que homem. É uma espécie de elogio – quando se chama alguém de “varão de Deus”, geralmente se quer dizer que a referida pessoa é um crente espiritual
Vaso de bênção: É o crente dedicado ao ministério da oração ou usado por Deus com manifestações sobrenaturais
Voto: É o compromisso, ou pacto, que o crente faz com Deus. Pode ser em busca de uma bênção ou para traçar alguma meta espiritual

Marcelo Santos

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